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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Feliz Ano Novo!!!

Olá amigos do blog, começaremos 2010 com um conto de arrepiar. Um grande abraço.

Buraco de Minhoca
 

A fachada do prédio era comum em todos os sentidos, não havia nada de especial. Dei um longo suspiro, tomei um gole de coragem e atravessei a movimentada Rua das Divisas. Enquanto os carros esperavam pela luz verde do semáforo, caminhei determinado pela faixa de pedestre rumo ao desconhecido, parecia que os motoristas estavam me observando traiçoeiramente, mas tudo cessou no momento que adentrei o local. 

Na recepção, uma atraente secretária me recebeu com seu lindo sorriso. Não sei determinar se aquilo foi gentileza ou ironia explícita de uma vilã, só posso dizer que caí na armadilha “feito um patinho”. O relógio na parede marcava exatamente oito horas e treze minutos quando senti meu braço direito formigar. E foi ali, naquele estranho lugar, que conheci a morte pela primeira vez...



- Por que você está chorando? – obtive o silêncio como resposta.
 

- Carlos, fale comigo. O que está acontecendo? – insisti em vão.
 

Meu irmão estava em prantos na porta de casa. Fiquei desesperado com aquela cena, será que acontecera algo com a minha mãe? Não hesitei, entrei correndo para verificar a situação, mas fui surpreendido ao vê-la com roupas pretas ao lado de um caixão. O tempo parou, e eu cheguei a uma triste conclusão: havia me tornado um fantasma preso ao pesadelo de seu funeral. 

Na sala de estar, o palitó de madeira abrigava meus restos franzinos em péssimas condições. Não que eu fosse bonito quando vivo, mas estava ainda pior morto. Fiquei decepcionado com a quantidade de amigos no velório, ao redor do caixão tinha no máximo seis conhecidos, que sequer esboçavam um choro. 

A desvantagem desta forma espectral é a impossibilidade de provar o café do próprio enterro. Porém, isto é compensado pela onipresença, onde você pode ouvir todas as conversas a seu respeito. 

- Meus pêsames, Catarina. 

- Obrigada, James. 

- Meus pêsames, Catarina. 

- Obrigada, Carlos.  

Enquanto minha mãe recebia os cumprimentos, acompanhei Carlos e James até a cozinha. Eles viviam disputando quem iria ser meu novo padrasto. Desde o falecimento de papai, a nossa vida se tornou um completo caos. Odeio assumir isso, mas acabei entrando nas drogas por revolta e ciúme. 

- Até que foi bom. 

- Não seja cruel, ela está sofrendo. 

- Pense comigo, se não fosse por este moleque, um de nós já estaria casado. 

- Isto é verdade, ele era uma pedra em nosso caminho e um peso para a família. 

- Peso? Põe peso nisso! Além de viciado, era um louco. 

- Fale baixo, senão alguém pode escutar. 

Eu fiquei sedento de ódio, sabia que aqueles desgraçados seriam péssimos pais para mim. Voltei indignado para sala, justamente no instante em que meu melhor amigo, em rios de lágrimas, entrou correndo pelo recinto. Ele se debruçou sobre o caixão e gritou: 

- Não, não pode ser! Você era tudo para mim! Você não pode estar morto! 

Dois convidados se levantaram comovidos e, num ato de misericórdia, o levaram para o quarto de hóspedes. Eu fui atrás, tentaria pelo menos agradecer àquela demonstração de afeto com a minha presença invisível. Quando lá cheguei, os três conversavam normalmente. 

- O que vocês acharam? 

- Cara, sua interpretação foi perfeita. – disse o loirinho aguado. 

- Realmente, você merecia um prêmio. – completou a menina que um dia sonhei ter como namorada. 

- O importante é convencer a velha. Só assim a gente consegue arrancar alguma parte da herança. - nunca imaginei que meu ex-amigo fosse ganancioso e interesseiro. 

- O que vamos pedir? 

- A coleção de guitarras dele é uma boa. – sugeriu a garota que notei ser nariguda. 

- Verdade, aquele idiota colecionava as guitarras que o pai usava nos shows. 

- Sorte o velho ter morrido no acidente de avião, fez com que o filho pirasse e decidisse se suicidar. 

“Calúnia!” Eu não havia me matado, apesar de que drogas é um suicídio lento. Mas... como fora realmente a minha morte? Sei lá, resolvi deixá-los no quarto e voltei para sala. Ali escutei as últimas palavras de minha mãe: 

- Meu filho, perdão se errei, nunca quis te magoar. Saiba que seu pai sempre foi único para mim, e se isso fizer alguma diferença no céu, conte para Deus que eu amo você. 

O meu caixão já estava para ser fechado por um senhor de barba por fazer, quando este olhou na minha direção: 

- Se eu lacrar este corpo, não haverá mais volta. 

- O senhor está falando comigo? 

- Sim, é com você. Está vendo algum outro fantasma por aqui? 

Juro que fiquei arrepiado do homem falar com espíritos. 

- O que quer dizer com não haverá mais volta? 

- Posso impedir a conclusão do seu suicídio, desde que você queira sinceramente voltar à vida e deseje se redimir. 

- E de que adianta? Só tenho víboras ao meu lado. 

- E sua família? Faça isso por eles. 

A conversa não tinha pé nem cabeça, contudo ponderei que a oportunidade era irrecusável. 

- Se o que diz é verdade, aceito a sua proposta. Mamãe precisa de mim, mesmo que seja só para protegê-la destes abutres. E tem o meu irmãozinho, que está lá fora. Ele também vai precisar de mim, caso contrário, quem vai ganhar dele no videogame? 

O homem deu um sorriso de aprovação e resolveu passar as coordenadas. 

- Está certo, faça o seguinte. Procure o prédio de fachada simples na Rua das Divisas. Entre correndo, não olhe para a recepcionista e vá direto para o último andar. Deite sobre a maca vermelha e fique lá em silêncio até ouvir a palavra “desperte”. Entendeu? 

- Eu conheço este lugar? 

- Talvez de algum passado remoto ou quem sabe de outra vida. 

- Obrigado, vou ficar te devendo. 

- Não se preocupe, sua mãe já me pagou. 

Antes que eu pudesse argumentar ou questionar. 

- Vá logo, o tempo está se esgotando. 

 Após alguns lapsos visuais, pousei em frente ao edifício de arquitetura singela. Passei como um furacão pela entrada, nem ousei piscar para a recepcionista. Fui até o último andar e, como fora orientado, deitei-me na maca vermelha. Fechei os olhos e esperei ouvindo as batidas do coração, uma paz que desejei não se tornar eterna. Foram minutos, horas, dias, anos... Não sei determinar o tempo, mas permaneci em silêncio até sussurrarem em meus ouvidos “desperte”.
 


- Doutor, ele está ficando consciente. 

- Ele ainda deve estar atordoado com o que aconteceu. Retirem os fios e desliguem o capacitor de realidade temporal. 

Tentei firmar a vista no meio daquela confusão. 

- Felipe, está nos ouvindo? Sabe em que ano está? 

- Em 2075? - falei ao ver a data impressa em um jornal próximo da maca “branca”. 

- Isso mesmo, você ficou inconsciente por apenas duas horas. - disse o médico em tom de informação. 

- O que aconteceu comigo? E o funeral? 

- Fique calmo, descanse primeiro. Depois sentaremos com você e explicaremos os pormenores. 

O doutor saiu do quarto e foi conversar com a minha mãe que estava atrás de uma parede de vidro. Esta conversa eu não ouvi, mas vou relatar conforme me contaram. 

- Catarina, o tratamento foi um sucesso. 

- Ele vai parar de usar drogas? – indagou preocupada. 

- O processo é lento, contudo o TGB será retirado do cérebro dele gradativamente. 

- Esta maldita droga só nos trouxe problemas. 

- Eu sei, o TGB faz com que seus usuários criem em suas cabeças diversas teorias da conspiração. Para eles, todos são inimigos e traidores, mas isso está sendo devidamente tratado com as “Sessões de Morte”. 

- Obrigada, doutor. 

O tratamento durou cinco longos meses e finalmente recebi meu cartão de “curado” com visto para casa. Assim que saí daquele lugar, pude ler em uma placa bem grande na entrada do edifício: Instituto Psiquiátrico São Pedro.

Autor: Eriol

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